Calendário

Há qualquer coisa que me escapa, mas de certeza que deve ser incapacidade minha. Vou por partes:

1. O Hamas ataca de forma bárbara e condenável Israel;

2. Israel invoca legítima defesa e ataca a Faixa de Gaza, arrasando por completo aquele território e cometendo genocídio sobre o povo palestiniano;

2.1. Nenhuma sanção económica, militar ou de qualquer outro género é imposta a Israel;

3. Israel ataca o consulado do Irão (anexo à embaixada deste país) em Damasco;

4. O Irão, invocando legítima defesa, lança um ataque sobre Israel;

4.1. O ataque é, na sua maioria, neutralizado pelas forças militares de Israel, com a ajuda dos Estados Unidos da América;

5. O Irão sofre, de imediato, novas sanções.

6. Os Estados Unidos da América concordam com o ataque israelita a Rafah, desde que o estado de Israel não volte a atacar o Irão.

E tudo isto escapa à minha compreensão.

25 de Abril, Sempre!

 


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Nada como vir a um dos cafés do bairro para ficar a saber que, afinal, as maleitas que me afectam não são assim tão más. Nada como a relativização social das doenças.

Uma imagem para o dia

 


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Os dados estão lançados. Candidatura preenchida e submetida. São 111 escolas, distribuídas pelos concelhos de Lisboa, Amadora, Oeiras, Cascais, Sintra, Vila Franca de Xira, Loures e Odivelas. Agora é esperar pelo resultado.

Scott Walker - Bish Bosch (2012)



A primeira vez que ouvi Scott Walker, “The Drift” (2006) tinha acabado de sair e decidi ir até um daqueles postos de escuta na Fnac. Senti um tremor no estômago quando o baixo de “Cossacks Are” surgiu, seguido da voz de Walker naquele timbre a lembrar o canto gregoriano. Pousei os auscultadores e afastei-me. Aquele som permaneceu comigo o dia todo e os restantes. Mas tudo aquilo se foi entranhando e entranhando, apesar do estranhamento inicial. Assim, se tivesse de caracterizar a minha relação com a música de Scott Walker, principalmente a partir de “Tilt” (1995), diria que é a mesma que tenho com a poesia: um desafio permanente, uma procura de sentido e, muitas vezes, o ficar pelo caminho, umas vezes perdido, outras possuído por uma inquietação. O mesmo acontece-me, por exemplo, com a música de uns Trobbing Gristle, ou Coil. “Bish Bosch” (2012) encerra a trilogia iniciada com “Tilt” e prosseguida em “The Drift”. As semelhanças com estes dois álbuns são evidentes: blocos de som, num minimalismo industrial e marcial, entremeados por momentos de silêncio e pela característica voz de Scott Walker, que recita (não me atrevo a dizer que canta) pedaços de textos, que muitas vezes parecem não estar ligados entre si: “Didn't you get enough attention at home?//If shit were music/La da da, la da da/You'd be a brass band//Know what?/You should get an agent, oh yeah, yeah/Why sit in the dark handling yourself?” (“Sdss1416+13b [Zercon, a Flagpole Sitter]”). O ambiente criado é, no mínimo, perturbador e não aconselhável aos mais sensíveis de ouvido, ou de estômago.


Já passaram

 
Por muito que me custe admitir: eles já passaram. Cabe agora fazer-lhes frente e derrotá-los. Ir à luta, custe o que custar. Já passaram. O importante, agora, é não deixá-los avançar. 

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Sérgio Furtado, jornalista da CNN Portugal, referindo-se, há pouco, à morte de sete trabalhadores da WCK: "Como era noite não se viam os símbolos da associação e, portanto, não foi possível distinguir que carros eram o quê.". A sério, caro Sérgio Furtado? A sério? "Era noite"? A sério? Acredita mesmo que o "era noite" justifica o "engano"? Porra, que não há paciência.

Nirvana - Incesticide (1992)




Foram anos de festas em garagens nas traseiras de prédios na Guarda, que também por lá os havia. Eram, essas garagens, os nossos subúrbios, a nossa Seattle, um ponto de fuga para tudo o resto. Havia sempre alguém que tinha uma aparelhagem, ou um rádio com leitor de cassetes. Todos tínhamos camisas de flanela, calças de ganga rasgadas e só alguns cabelo comprido. Quando o primeiro de nós comprou "Incesticide", havia grande expectativa em relação a esse terceiro álbum da banda de todos nós. A fasquia estava alta, pois todos tínhamos ouvido "Nevermind" até à exaustão e depois um pouco mais. A linha de baixo de "Dive", primeira faixa do álbum, e aquela espécie de low-fi na produção (que lhe confere crueza), foram o aviso: preparem-se! As opiniões dividiam-se entre as pausas do mosh e para o traçadinho de vinho branco com sumo de maçã (que nunca faltava). "É muito bom!", diziam uns, "Nevermind é muito melhor!", outros repetiam. Uns poucos estavam mais atentos às letras, onde havia o combate ao machismo e ao papel da mulher numa sociedade patriarcal (é ouvir "Been a son" com atenção). Todos os temas eram mais rápidos, cinzentos, alguns estranhos ("Hairspray Queen"). O regresso dos Nirvana às raízes de "Bleach" agradava a uns e deixava outros desconfiados. Ninguém, é certo, ficou indiferente, principalmente depois de ouvirmos, de seguida, os três últimos temas do álbum: "An idea is what we lack, it doesn't matter anyways" ("Aero Zeppelin"); " Endless climb/I am blind/Why can't I hear?("Big Long Now"); "Beat me out of me (beat it, beat it)" ("Aneurysm"). Uma maravilha, digo eu hoje.

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Lembro-me de chegar ao Liceu. Agora, acreditem ou não: levava vestida uma grossa camisola de lã (feita pela minha Mãe a meu pedido) e umas calças de ganga bastante rasgadas. Um amigo chegou-se — o Kurt matou-se — e a minha boca de espanto. E lembro agora o dia, e a hora, em que o Luís Rasteiro colocou o seu rádio com dois decks na janela do quarto dos pais virado para o pátio e soou "Smell like teen spirit". O Luís aos saltos e logo eu. E pouco depois, muito pouco depois, aparece o Sr. Tó — tronco nu mais a tatuagem "Foxtrot Guiné" — que salta para o meio de nós e connosco começa aos saltos, ao mosh, quando nem essa nome ainda sabíamos que existia.

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Sou e sempre fui antimilitarista. Sou e sempre fui contra o Serviço Militar Obrigatório.

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Recentemente os Estados Unidos, através da Administração Biden, tentaram fazer-nos crer que estavam realmente preocupados com o genocídio que está a acontecer em Gaza. Kamala Harris chegou mesmo a dizer que qualquer grande operação militar em Rafah seria um “grande erro”. Israel prometeu "ter em conta" as preocupações dos EUA. Entretanto, há dois dias, os EUA autorizaram a transferência de 2.5 bilhões de dólares em material militar para Israel.

Carl Seelig


O seu alheamento em relação às cliques literárias causou-lhe sérios problemas financeiros, mas a idolatria que reina nesses meios é-lhe pura e simplesmente repugnante. Ela rebaixa o escritor, converto-o num mero engraxador de sapatos.


em Caminhadas com Robert Walser, tradução de Bernardo Ferro, BCF Editores, 2019, p. 21.

Suede - Suede (1993)




Em 1993 ainda tinha um walkman que comigo ia para todo o lado. Não lembro já quem foi o amigo que me gravou a cassete com o primeiro álbum dos Suede, mas sei que passei as férias de Verão a ouvi-lo em repeat e a desejar ser como Brett Anderson, que transpirava sensualidade e fazia suspirar as raparigas mais susceptíveis. Mas era a acidez da guitarra de Bernard Butler (que seria para Anderson o que Marr era para Morrissey)  aquilo que mais sobressaía. Isso e o erotismo lírico das letras: "Well he said he'd show you his bed/And the delights of the chemical smile" (Animal Nitrate); "So slow down, slow down, you're taking me over/And so we drown, Sir we drown,  stop taking me over" (The Drowners); "She sells heart, she sells meat/Oh dad, she's driving me mad, come see" (Metal Mickey); "I see you're moving, see you're moving like wildlife from the waist" (Animal Lover). Não sei quantas vezes ouvi, por exemplo, "Pantomime Horse", uma das músicas mais tristes de sempre. Trinta e um anos depois (é hoje o aniversário do seu lançamento), continua a ser um álbum com vitalidade, força e de uma contemporaneidade desarmante.

(...)


No calendário é Sexta-feira Santa. Longe vai o tempo da sirene da fábrica às três da tarde — dizem ser a hora em que Cristo morreu na cruz — e a vila toda parava num minuto de silêncio. Mais logo o Enterro do Senhor e o som das matracas a rasgar a noite.

§

O trompete de João Moreira deixa o tempo em suspenso. Nuvens prometem novamente chuva. Haverá grelos salteados e robalo assado no forno para o almoço. O gato dorme indiferente a isto tudo.

§

Não sei já a última vez que tive um pensamento bom sobre o mundo.

Em repeat

 



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Paulo Baldaia, há pouco na SICNotícias, sobre o nome de Eduardo Oliveira e Sousa para a pasta da Agricultura: "Espero que já lhe tenham dito que a terra não é plana.".

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Diogo Pacheco de Amorim irá receber,  por mês e enquanto vice-presidente da Assembleia da República, o salário ilíquido de 4916,39€ (quatro mil novecentos e dezasseis euros e trinta e nove cêntimos). Pergunto: qual o salário ilíquido, segundo o CH, para "tacho"?

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© Vladimiro Vale

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O meu fascínio pela música de Burial já vem de há tempo. Mas admito que foi com a leitura de Mark Fisher que tudo se encaixou e fez sentido. Diz Fisher:
Quando ouvi Burial pela primeira vez, (...) fui logo buscar o primeiro álbum de Tricky, Maxinquaye, como ponto de comparação. Não era apenas a utilização do crepitar do vinil, (...) a sugerir a afinidade. Era também a atmosfera dominante, a forma como a tristeza sufocante e uma melancolia balbuciada contaminavam um erotismo e um discurso onírico a sofrer de amores (...) a música de Burial invoca cenas urbanas sob um chuvisco permanente à maneira de Blade Runner (...). (1)

Ontem, enquanto descia a Almirante Reis (depois de vir da Flur, onde adquiri o álbum) senti isso mesmo. Havia um leve chuvisco permanente que às vezes se transformava numa chuva forte e intensa. Os edifícios sujos e velhos à minha volta, os aromas dos diferentes restaurantes, os passeios apinhados de gente que fala uma língua que não a minha (em todos os sentidos), mais o som da cidade. E eu a pensar "levo aqui a banda-sonora disto tudo".


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(1) Fantasmas da minha vida: Escritos sobre Depressão, Hantologia e Futuros Perdidos, tradução de Vasco Gato, VS, 2021, p. 81.

Um poema de Vasko Popa


Escola de São Sava


Ele senta-se no ramo alto de uma pereira
Murmura algo para dentro da barba

Escuta
As folhas de lábios de mel
Rezam com as suas palavras

Observa
O vento que dissemina o fogo
Pragueja nas colinas com as suas palavras

Sorri
E lentamente rumina
O livro do senhor do universo

E chama os lobos famintos

Do alto da pereira atira-lhes páginas
Cheias de letras vermelhas de longos pescoços
E cordeiros brancos


em A Maçã de Ferro, selecção e tradução de Filipe Ribeiro, s/l: maus, 2024, p. 73.

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Tendo em conta a actual situação política nacional, e os comentários que por aí vou ouvindo em relação à ascenção da extrema-direita no nosso país, apenas me ocorre este poema de Vasco Gato:

«A nossa situação é, no meio das avalanches, tentarmos um paisagismo.» (1)
Feliz Dia Mundial da Poesia.

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(1) Rusga, Lisboa: Trama, 1ª edição, 2010, p. 13.

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Nada disto, sinceramente, me admira. Sou de uma terra onde o impacto da emigração se fez sentir, principalmente no Verão quando regressavam para passar um mês "na terra" e a população da vila duplicava, ou triplicava. Ouvi muitas vezes, à mesa, a conversa de sempre: "os auserianos [argelinos, em emigrês] 'tão a dar cabo do cartier"; "todos ilegais"; "uma vergonha"; "são uns porcos". Tudo isto da boca de quem tinha ido "a salto" até França, para fugir da prosperidade que havia no nosso país antes do 25 de Abril. Gente que tinha vivido nas luxuosas bidonville, com saneamento básico e ruas pavimentadas, com duches quentes duas vezes ao dia e condições de salubridade exemplares. Gente com trabalho qualificado, contrato e descontos para a segurança social. Isto só para falar dos de França. Os emigrados na Suíça era outra conversa. E, sinceramente, não me apetece tê-la.